Para começar, devo dizer que jamais um inglês escreveria um
post cujo título fosse "As refeições"! Simplesmente, porque as refeições não parecem ter muita importância para eles.
Há uns meses atrás, uma colega romena a viver em Portugal dizia-me que os portugueses têm uma relação muito afectiva com a comida. Ela tem toda a razão! Os portugueses são capazes de passar horas a discutir comida, são capazes de passar horas a fazer comida, são capazes de passar horas à mesa a comer. E aqui vai a minha teoria: deve ser esse o segredo da nossa esperança média de vida tão elevada!
O Lincoln College tem a melhor comida de Oxford. A sério, é mesmo boa (há 4 portugueses a trabalhar na cozinha!). Tem um problema grave, na minha opinião, que é nunca ter peixe (excepto
fish and chips uma vez), muito menos bacalhau (e não, bacalhau não é um "peixe"...), mas isso é habitual em Inglaterra. Os portugueses é q se empanturram em peixe - e nunca mais me digam que comemos mal!
Ora, com uma cantina tão boa e ainda por cima barata (se lá almoçarmos e jantarmos, gastamos menos 7£ por dia), e dado que a maioria dos estudantes mora perto dela, seria normal que toda a gente lá fosse, certo? Errado! Há malta que prefere comer uma sandes nojenta, pelo mesmo preço, comprada no café da esquina... Sentam-se nos bancos ao lado da cantina a comê-la! OK, toda a gente come uma sandes nojenta de vez em quando. E é essa a escolha óbvia quando se tem 14, 15, 16 anos... Mas depois dos 20?! Essa atitude traduz precisamente o despreendimento dos ingleses pela comida. Eles são até capazes de comer a dita sandes a andar, para aproveitar o tempo...
A própria invenção do café num copo de papel para levar para fora do estabelecimento só pode ter tido origem aqui, nos EUA ou noutro país nórdico, onde a ideia de perder 5 minutos sentado num café a beber uma bica é aterradora! Eles bebem mesmo o café enquanto caminham, não sei como conseguem...
Aqui chegados, devo explicar que, no meu colégio, metade dos estudantes são britânicos, um quarto anglo-saxónicos (americanos, australianos, canadianos...) e um quarto de outras partes do mundo, sendo que a maioria são chineses (e não há um único latino, para além de mim). Ou seja, com tão pouca mistura, é relativamente fácil analisar os hábitos ingleses (anglo-saxónicos, vá...).
Continuando: mesmo quem vai comer à cantina, come tão rapidamente que me deixa estonteada. Quem me conhece sabe que eu sou uma comedora voraz (em quantidade e rapidez). Pois ficam a saber que, para padrões britânicos, sou uma "tartaruga" a comer... Eles sentam-se, comem e abandonam o local literalmente em menos de 10 minutos!!
Isto acontece principalmente à hora de almoço. Aliás, quando cheguei e perguntei a que horas é que os vários serviços fechavam à hora de almoço, nem perceberam o que eu estava a perguntar. Porque os serviços não fecham. Não é necessário, dado que o almoço é a dita sandes nojenta a andar, ou uma refeição mais normal, mas sugada em tempo record!
Mas também acontece ao jantar. No meu colégio há dois jantares: o primeiro é servido às 18.15h, o segundo às 19.15h (vá, agora gozem com os horários...). Em ambos é servida exactamente a mesma comida, por ambos se paga exactamente o mesmo. A única diferença é que o primeiro jantar é "informal" e o segundo jantar é "formal". O que é que isto quer dizer? O jantar formal é aquele onde todos temos que o usar a
gown (toga), onde os
fellows (professores) aparecem e jantam na
high table (uma mesa num estrado ao fundo da sala). A toga de quem está na licenciatura é diferente da de quem está em mestrado ou doutoramento: na verdade são semalhantes mas as dos
undergraduate students são mais curtas do que as nossas,
graduates... são tipo mini-togas. Há ainda as togas dos investigadores, que têm mangas, ao contrário das nossas, e as togas dos
fellows, que são compridas, com mangas... com tudo! Assim, nos distinguimos entre fatiotas pretas - que podem ser usadas por cima de uns calções e t-shirt.
Bom, mas além da vestimenta, no jantar formal, são acessas velas em candelabros ao longo das mesas e todo um ritual é cumprido: às 19.15h fecham-se as duas portas da sala (que, como já descrevi uma vez, está intacta desde há mais de um século, é toda forrada a madeira, tem vitrais e quadros antigos...), ouve-se um som tipo-bater-de-pau-de-teatro e todos nos levantamos. As portas abrem-se os
fellows entram, atravessam a sala e dispõem-se em volta da sua
high table. As portas da sala fecham-se e ali ficamos, só nós, alunos e professores. Um aluno diz uma oração em latim (para fomentar o "voluntariado" para a leitura da oração, o colégio oferece uma garrafa de vinho ao leitor, depois de ele se ter "oferecido" por três vezes para a ler...), no fim toda a gente diz "amén" e só depois disso nos sentamos. No final, os alunos só se podem levantar depois de o
fellow que come à cabeceira da
high table dar autorização para tal. Nessa altura, o mordomo que os serve abana um guardanapo braco, de cima do estrado, e quem já tiver acabo de comer já sabe que pode sair. É fantástico assitir a tudo isto, garanto-vos! É um filme em que somos espectadores e personagens ao mesmo tempo!
Claro que este jantar acaba sempre por ser mais demorado. Por isso mesmo, há o das 18.15h: para quem tem pressa e não quer perder tempo com rituais! Aliás, os dois jantares são servidos na mesma sala, nas mesmas mesas. Conseguem imaginar, em Portugal, um jantar para cerca de 100 pessoas, com de três pratos, servidos à mesa, demorar menos de 40 minutos, a ponto de depois de todos termos acabado, a sala ser limpa e preparada para o jantar que ocorre apenas uma hora depois? Não. Porque nós gostamos mesmo de estar à mesa. De comer e de beber. De falar enquanto comemos e bebemos. De perder tempo com a comida e a companhia à nossa frente. É uma cultura muito diferente.